sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

ENTREVISTA: EMMANUEL NASSAR

Emmanuel Nassar nasceu em Capanema, no Estado do Pará, em 1949. Graduado em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará. Ao longo de sua carreira realizou diversas exposições individuais e coletivas entre elas algumas Bienais de São Paulo, em 1989 1998, e Bienal de Veneza em 1993. Atualmente está em trânsito entre Belém e São Paulo.
OBS: a estadia em São Paulo não deve ser permanente devido a falta de farinha e "açaí de verdade". Vamos à entrevista!

1. Fale-nos um pouco sobre você. O que faz atualmente, onde gosta de ir, o que escuta etc.

Tenho hábitos simples: ouço radio, gosto de ler os jornais na internet, caminhar, observar, descobrir uns bons lugares para comer, beber e conversar. Muito cinema e viajar. Afora isso, adoro organizar idéias em uma tela, um pedaço de papel, uma sequencia de imagens.

2. De onde partiu suas principais referências no campo da instalação?

Meus primeiros trabalhos foram com papel depois com pintura. A primeira vez em que me me expressei atraves de uma instalaçao foi em 98 com Bandeiras: uma apropriação, de bandeiras oficiais de quase todos os municipios do Pará.
A ideia de Bandeiras surgiu 5 anos antes, numa visita a um Museu em Bonn na Alemanha. Eu vi lá 80 bandeiras de tribos africanas e fiquei muito impressionado. Não era uma exposiçao de arte contemporanea e sim uma exposiçao de carater antropologico.
Eram bandeiras toscas e continham um fabuloso encontro de icones da cultura europeia e africana.Vi um paralelo entre elas e as bandeiras dos municipios e achei que eram uma oportunidade. O impacto daquelas imagens me impulsionavam para um novo trabalho, mas eu nao sabia exatamente como realiza-lo.
Só 5 anos depois, em 98, cheguei a versão definitiva na forma de uma apropriaçao, revestindo o espaço expositivo do Mam de SP com aquela colcha de retalhos de bandeiras. Entao, eu cheguei a instalaçao por uma consequencia, uma necessidade de resolver um problema. Me sinto mais autor de uma ideia do que propriamente do uso da tecnica.

3. Um dia, um curador nordestino em visita a Belém nos disse que o fato de estarmos distantes do eixo (Rio/São Paulo) nos torna uma ilha independente e com produção artística de caráter muito próprio. Qual sua opinião sobre esse tema, a distancia é mais positiva ou negativa?

Depende do uso que se faz do isolamento. Isolamento também pode ser um fator de comodismo.
Mas eu concordo que o isolamento ajuda a forjar uma certa teimosia em fazer as coisas ao nosso modo. Acho que o bom mesmo é poder se isolar e se abrir como quem aciona um dispositivo. Com um certo comando.

4. Como você vê a arte que anda sendo feita atualmente em Belém? Tens conhecimento do trabalho de algum artista da geração atual?

Não tenho tido tanto contato com a produção mais atual, mas tenho visto algumas coisas interessantes. Não dá pra julgar o pouco que vi. Eu diria que não basta talento, tem que trabalhar muito também.
E ousar.

5. Se puderes, fale-nos um pouco de teus projetos atuais.

Em 98 fiz a instalação Bandeiras no MAM de SP, uma apropriação de bandeiras oficiais de quase todos os municípios do Pará. Naquela altura eu recolhia as bandeiras tal como se apresentavam.
Agora estou retomando a idéia das bandeiras. Só que desta vez eu crio bandeiras fictícias, representando “Estados” individuais. Uma espécie de confederação de minhas regiões interiores. Uma bandeira para minha raiva, uma para meus medos, uma para meu grito de liberdade, uma para minha paz, para meus ideais, meus mitos. São costuradas por mim, ou encomendadas a costureiras. Será minha próxima exposição, em 2011.

6. Como fica pra ti a relação obra de arte / mercado? Achas que há um enregelamento ou cristalização do processo de criação?

Esse é um drama pessoal que cada artista deve se colocar. Leonardo da Vinci teve seu processo de criação “enregelecido” pelo pagamento que lhe era feito pelo Vaticano? Goya teve seu processo prejudicado por ter feito retratos de poderosos?
Na verdade eu adoro mercado. Comprar, vender, trocar sempre foi um fascínio para mim. Meu avô veio da Síria no começo do século passado para vender pente e espelho em Capanema, onde nasci. O negócio cresceu e eu passei minha infância dentro de lojas de tecidos e bugigangas, da loja Nassar, com o meu pai. Aprendi a expor, fazer desconto, embrulho, como ninguém. As lojas deixaram de existir, mas eu acho que continuo um negociador.
Mercado de peixe, carne, legumes e verduras, lojas de ferragens. Esses são primeiros lugares que eu visito em viagens.

7. No teu trabalho, a vertente culta te encaminhou ao popular ou o popular te deu entrada ao universo culto? Como se deu esse tramite entre o precário e o erudito?

Minha origem e formação é um mix de popular e erudição. Nasci em Capanema, meu pai foi comerciante de tecidos e até os 5 anos de idade moramos em Capanema, Bragança e Santarém.
O contato com o mundo, o ingresso na escola de arquitetura, as primeiras viagens. Isso causou um impacto muito grande em mim. Acho que essa polaridade esse choque aconteceu e permanece como uma espécie de tema central do meu trabalho.
Não sou um erudito, na forma como costumamos entender.
Por outro lado, estou longe de ser um ingênuo.
Talvez eu não tenha medo de me deslumbrar. Me apaixono fácil.
Daí a percepção de que tenho algum poder sobre isso. Costumo dizer que meu tema sou eu. Trabalho com minhas contradições, minhas tensões, brincando de organizar, equilibrar, manter em pé o edifício da vida. Daí a precariedade, daí as linhas de força, daí os cabos de guerra, daí o espaço, a luz, a profundidade.

8. Há pouco tempo recebemos uma visita de um grande artista da Alemanha, ele gosta muito daqui, é Brasileiro, mas, mora na Alemanha, ele disse: “Você sabe quando vão citar Dalcídio Jurandir na Alemanha? Nunca! Vocês têm de valorizar filósofos locais, escritores locais, etc. A globalização funciona de lá para lá, e dificilmente daqui para lá!” Te pergunto: o que deixamos de perceber em nossa própria terra enquanto paraenses?

Esse negócio de importância, não depende só da qualidade da obra. Mas de seu contexto.
Não é a toa que artistas contemporâneos coreanos e chineses despertam interesse hoje.
Veja também o exemplo de Rivera, o grande muralista mexicano e Frida Khalo sua mulher, pintora.
Nos anos 30/40 ele era o grande artista, porque retratava as revoluções populares do seu tempo.
Hoje é ela Frida que está mais em evidencia, porque as questões da mulher e das minorias está mais em pauta.
Importância também é uma atitude.

9. Você já arriscou algumas vídeoartes, pensas ainda em produzir algo dentro dessa mídia?


Sim. Eu gostaria de ter mais conhecimento de poder fazer mais vídeos. Falta um pouco mais de domínio dos programas de edição.

10. E trabalhos em grupo e em coletivos, pensa em participar algum dia?

Tenho dificuldade de negociar quando se trata de criação. Acho que atrapalha, ter que discutir o que me vai na telha e explicar porque, me parece perda de tempo. Então acabei na solidão das artes plásticas que é onde se tem o poder sobre todo o processo.
Mas eu tenho uma certa inveja de quem se organiza em grupos e consegue bons resultados.
Talvez eu possa experimentar um dia.

11. Você foi professor do Curso de Artes Plásticas da Universidade Federal por algum tempo, como anda o lado professor atualmente?

Gosto aprender e ensinar o que acham que eu possa ensinar. Mas não me atrai mais o cotidiano de sala de aulas. A curiosidade é uma grande virtude. Quem pergunta leva sempre uma vantagem danada.

12. Qual foi o trabalho que mais lhe deu alegria e satisfação no campo das Artes Plásticas?

A coisa funciona como ter que matar um leão a cada trabalho.
A Satisfação mesmo é ver que você sobreviveu a ele. Vitória efêmera, no entanto. Ilusão de criar e estar vivo, porque um dia ele vai vencer.

13. Vida e Arte, Cotidiano e tecnologia, Sistema da Arte e Mercado...o que poderia ser problematizado a seu ver, tendo estes temas por norte?
Os temas não existem por si só. Eles existem a partir de cada pessoa.
O norte é estabelecer uma ordem pessoal, individual.
Observar, agir, concluir. Aliar-se a força dos ventos.
Observar de novo, corrigir o rumo, concluir novamente.
E assim sucessivamente.

Leia também as entrevistas com o artista e arquiteto Murilo Rodrigues e com o Coletivo [ComJuntoVazio] 

*Todas as imagens foram retiradas do álbum do artista.

NovasMedias!?

2 comentários:

Anônimo disse...

Ótima entrevista. Parabéns ao blog e ao Emmanuel.

Márcia Almeida.

Malu Pontes disse...

"Quem pergunta leva sempre uma vantagem danada" haha
Ele é incrível.
Orgulho-me de ser paraense por infinitos motivos e Nassar é um deles!!